quarta-feira, 30 de maio de 2007

Vida...

A vida é uma sucessão de vírus. Se nascemos não como tabula rasa, mas com uma natureza anterior à moral (assim Rousseau permita), pura e em estado bruto, tudo o que lhe sucede são coisas que contraímos: o vírus do certo e do errado que, depois, degenera no bem e no mal; o vírus da fé que pode passar com a idade ou tomar-nos conta do cérebro e dos gestos; os vírus da vontade, da culpa, do projecto, do fracasso, da confiança; o vírus feroz do amor que, amiúde, conduz a um estado terminal de cinismo; o vírus da política, da solidão, da necessidade, que tentamos curar com doses desmesuradas de auto-suficiência; o vírus de querer partir, que evolui para o de querer voltar a casa; o vírus de nos querermos multiplicar, de querer o abismo, de querer sair da cama, de querer recomeçar, de não querer mais nada.
No final, a felicidade não pode, pois, significar mais que a putrefacção. Se havemos de ser tragados, lentamente, pelos bichos que deglutam um corpo jazendo ao sol infectado de histórias, para que tudo se propague de novo e de modo fácil, contra a saúde inodora das máquinas e das constituições.

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